A primeira coisa que noto andando por São Paulo é a falta de publicidade.
Não há outdoors, telas de vídeo ao ar livre ou anúncios nos ônibus.
Em vez disso, encontro prédios altos cobertos por uma misteriosa escrita preta chamada “pixacao”.
Em 2006, o conservador prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, aprovou a “Lei Cidade Limpa” (Lei da Cidade Limpa), a fim de combater a “poluição visual”.
São Paulo tornou-se a primeira cidade fora do mundo comunista a implementar uma proibição radical da publicidade em outdoors.
Grandes outdoors sobrepostos sobre edifícios é a aparência regular de uma paisagem urbana para mim. Depois de anos tentando ignorar tais imagens, meus olhos ficam aliviados ao vê-las substituídas por um grafite obscuro.
Pixação na estação do Metrô Paulista em São Paulo
Pixacao é nativo do Brasil e tem um método semelhante à marcação. É caracterizada por letras grandes distintas pintadas em um estilo enigmático. Domina o espaço público e cria um novo contexto para o quotidiano dos cidadãos, obrigando-os a novas leituras.
Nascido no início dos anos 1980 em São Paulo, o pixacao foi influenciado pelas mensagens políticas escritas em alcatrão nas ruas contra a ditadura dos anos 1930-1950.
A aparente motivação por trás daqueles que fazem pixação, conhecidos como “pixadores”, é fazer uma declaração sobre injustiça social, pobreza e corrupção governamental.
Há uma grande divisão entre ricos e pobres no Brasil e muitas equipes de pixação vêm da periferia mais pobre e estão travando uma guerra contra a elite.
A verdade é que o trabalho deles se tornou uma expressão de ego mais forte do que uma mensagem política na maioria dos casos hoje em dia. Os Pixadores se esforçam para deixar a marca de sua equipe em todas as paredes possíveis, competindo entre si para alcançar os lugares mais altos, esotéricos e marcantes da cidade.
A maioria dos moradores de São Paulo odeia a pixação e acha que ela deixa a cidade feia. Eu simpatizo com a raiva deles por sua colocação. Envolve a maior parte da cidade, degradando residências familiares e monumentos públicos. Mas não posso desacreditar totalmente a tipografia.
As letras ampliadas feitas com linhas retas verticais e terminações pontiagudas têm um estilo gótico que lembra uma antiga escrita latina. Os pixadores não medem esforços para pintar as letras incomuns, usando-se como escadas humanas para escalar fachadas altas. Alguns caíram para a morte de lugares extremos.
Esses escritores não são apenas hostis aos ricos e ao governo. Eles se chocam com quase todo mundo em São Paulo, inclusive artistas de rua.
Percorrendo a via rápida 23 de Maio na Liberdade encontro um mural fantástico. É pintado por alguns dos melhores artistas de São Paulo, incluindo Os Gemeos, Nunca, Nina, Finok e Zefix. Rostos coloridos de desenho animado vigiam oito faixas de tráfego. Os personagens dão uma energia ousada e brilhante ao lado de prédios de concreto sombrios, mas um local me informa que pixadores desfiguraram temporariamente esse trabalho pouco depois de concluído. A raiva deles veio do fato de fundos públicos terem sido usados para contratar artistas famosos para criar o mural.

Um mural ao longo da via expressa 23 de Maio na Liberdade, São Paulo, criado por Os Gemeos, Nunca, Nina, Finok, Zefix e outros artistas.
No entanto, há coisas que os pixadores e os artistas de rua têm em comum. Não menos do que é um inimigo mútuo, a Lei da Cidade Limpa.
Infelizmente, a erradicação da publicidade em São Paulo causou a remoção de grande parte de sua arte de rua. Muitas das imagens que deram à cidade uma reputação internacional de inovação artística foram destruídas. Na verdade, o mural original ao longo da via expressa 23 de Maio foi apagado pela equipe de limpeza de São Paulo em 2008. Isso aconteceu na época em que o trabalho de Os Gemeos e Nunca estava sendo celebrado no Tate Modern em Londres.
A remoção de importantes obras de arte reconhecidas internacionalmente causou enorme raiva e polêmica, levando o prefeito a repensar a lei. Ele criou um registro de arte de rua a ser preservado e, assim, provocou um debate público sobre o que constitui arte.

Os pixadores, porém, nunca afirmaram ser artistas. A cada pedaço de pixação retirado das paredes eles retaliam. Armados com rolos e latas de spray, eles repetidamente pintam seu roteiro com velocidade e força ferozes.
É uma batalha cansativa e cara. Tanto os roteiristas quanto os artistas da pixação continuam a contestar essa lei até hoje. Enquanto ando pelas ruas, quase posso sentir o cheiro da tinta cinza fresca usada para polir os grafites das paredes.

O atual prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, está mostrando sinais de mudança. Em uma ação inédita, ele liberou uma avenida de quatro quilômetros para graffiti. Começa na estação Patriarca do metrô e termina em Itaquera, próximo ao estádio da Copa que receberá a partida de abertura.
Setenta artistas já foram contratados e estão atualmente pintando a parede com imagens relacionadas à Copa do Mundo e à torcida brasileira. A parede está prestes a se tornar a maior galeria ao ar livre da América do Sul.
Parece provável que os pixadores invadam essa parede em algum momento. Eles já estão espalhando suas preocupações com a Copa em outras partes da cidade e não são os únicos revoltados.
Milhares de manifestantes saíram às ruas nos últimos meses insatisfeitos com a quantidade de dinheiro público gasto na Copa do Mundo. Eles estão exigindo coisas como melhores cuidados de saúde, educação e moradia.
Pixacao, por outro lado, ocupa o espaço visualmente. De certa forma, o protesto deles, quando é isso que é, em vez de vandalismo movido a adrenalina, tem uma mensagem mais forte.
É um lembrete da desigualdade econômica, do crime, da corrupção generalizada e dos baixos padrões de vida enfrentados por tantos habitantes da cidade.
As ruas de São Paulo contam sua própria história. São capítulos inspiradores, com alguns dos artistas mais aclamados da nossa geração. Eles falam de beleza, ousadia e triunfo. Muitas outras paredes comunicam uma realidade mais sombria, separando os que têm e os que não têm dentro de uma meca imensamente criativa.